Mr. Domingues

Sempre ouvi que escrevo demais, e-mails longos, cartas intermináveis para namoradas, nunca consegui usar Post-it, enfim, bem ou mal eu gosto de escrever. A intenção é que isso aqui sirva como uma "descarga mental" onde comento fatos, acontecimentos e pensamentos, na verdade, tudo que me der vontade. Sabe quando se vê um filme, lê um livro ou algo no jornal e ficamos com vontade de discutir com alguém sobre o assunto? É pra isso que esse espaço serve, assim eu incomodo menos quem está à minha volta e começo a incomodar anônimos internet afora que queiram ser incomodados. Mas é claro que não vou fugir muito dos meus hobbies, interesses pessoais e profissionais, como saúde, atividade física, esporte, tecnologia e música.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

De pai pra filho

Recentemente uma amiga minha, bem jovem teve um diagnóstico de câncer. Ela foi pega de surpresa, teve um diagnóstico inicial relativamente demorado e praticamente quando descobriram a doença seu tratamento iniciou, sem muito tempo para ser melodramática nem ter choradeira, como ela mesma me disse - “pelo menos agora eu sei o que tenho. Vamos fazer o que tem que ser feito, depois a gente chora.”
Hoje tudo indica que ela conseguiu se livrar da doença (após uma série de cirurgias e muitas semanas hospitalizada). Pela rapidez da coisa toda, ela não teve tempo para “despedidas”, mas felizmente elas não foram necessárias. Se as coisas seguirem no rumo que estão, com certeza ela terá tempo de ver seus dois filhos crescerem, e digamos que ela morrerá “na hora certa”.
Em alguns casos dessa doença, as pessoas têm tempo para despedidas, o que torna o processo de certa forma mais doloroso pela certeza de que alguém vai embora, mas pode criar situações bastante curiosas, como essa notícia que li uns tempos atrás:

Kate Greene havia sido diagnosticada com câncer de mama e deixou uma lista com cerca de 100 coisas que o pai deve fazer com os filhos, para garantir que eles tenham a experiência que ela sempre sonhou para a família e serão criados como ela planejava.
Entre as recomendações para os filhos de 4 e 6 anos, estavam coisas específicas, como visitar a praia onde ela passava férias quando criança, ou assistir um jogo internacional de rúgbi. Kate ainda pediu ao marido, que levasse os filhos à Suíça, para mostrar o local onde ele a pediu em casamento.
A mãe ainda decretou que a família deveria ter uma mesa de jantar, para que todos estejam juntos durante as refeições em sua casa, e que o marido deveria ajudar as crianças a plantar um girassol, encontrar um trevo de quatro folhas e aprender a tocar um instrumento musical.
Ela ainda descreveu os valores que ela queria ensinar aos meninos, como ser pontuais, fazer as pazes logo quando brigassem com alguém e tratar as namoradas com respeito. A lista ainda inclui coisas que a mãe não queria que os filhos fizessem, como andar de moto, fumar ou entrar para o exército.
O pai conta que planeja realizar todos os desejos da lista, já que, de alguma forma, as orientações significam ainda uma ligação emocional com Kate.
O desejo mais difícil de ser cumprido será encontrar uma outra companheira, para que os filhos cresçam com uma influência feminina. "Já encontrei minha alma gêmea, e voltar ao mercado é uma coisa muito difícil".


Todos os pais e mães sabem que, se a natureza for no rumo certo, eles morrerão antes de seus filhos. Todos planejam coisas para seus filhos a partir do momento em que se descobre a gravidez. Uma lista como essa na verdade deveria ser obrigatória.
E isso me lembra o meu pai que, desde que eu tinha uns 4 anos costumava iniciar as frases educativas assim: “aprende comigo enquanto estou vivo, porque tu sabes que eu vou morrer antes de ti”. Eu no início perguntava por que ele falava assim, e ele sempre dizia - porque é o certo, pais morrem antes dos filhos, se tu morresse antes de mim é que ia estar errado. Isso não é uma coisa muito legal de se dizer para uma criança, mas pelo menos era verdade E às vezes eu perguntava - mas a gente não pode morrer junto, assim eu não fico triste?
Depois dessa introdução ele dava “a aula” que poderia ir desde a explicação para o formato de determinada folha numa planta até contar um trecho da infância do Mozart, passando por algum assunto na área da aviação ou explicar o que era a aurora boreal. Ir à feira ou ao mercado público com ele era como assistir a um documentário do National Geographic. E isso para uma criança é tão estimulante quanto um caderno de caligrafia. Mas com o tempo eu comecei a perceber que tinha coisa legal no que ele me ensinava.
Quando o tempo passou um pouco mais e eu estava na pré-adolescência, ele iniciava as aulas por - “acho que eu já te expliquei porque os...” e antes que ele completasse a sentença eu retrucava meio irritado “já pai, tu já falou isso, que saco”. Ele claro ficava desapontado e com aquele sentimento - acho que já ensinei tudo que podia pra ele.
Alguns anos mais se passaram e quando ele iniciava as explicações (sobre algo que eu já ouvira centenas de vezes) eu deixava ele seguir, e às vezes até fingia que estava maravilhado com a novidade. Pronto, ele voltava a se sentir no papel de pai. E quando ele ficou velho mesmo ele me chamava para “ensinar” algo e ele mesmo já dizia - “sei que já te expliquei isso, mas ...”. E eu, agora adulto, ouvia-o com calma porque entendia perfeitamente que ele estava apenas tentando aproveitar um restinho mais da sua função de pai que é: não ir embora do mundo antes de ter ensinado tudo que pode para os seus filhos (no caso dele, 6 filhos).
Eu não tenho filhos, não sei se terei algum dia, não depende só de mim, mas tenho certeza que serei um “professor” tão chato quanto meu pai foi. E achei bem interessante a ideia de fazer uma lista de “coisas imperdíveis” para deixar à próxima geração. Mesmo sabendo que muitas coisas não receberiam a merecida importância, porque o que é importante pra mim pode não ser para outra pessoa e pela passagem do tempo mesmo. Mas pelo menos para eles verem as experiências que eu algum dia julguei importantes de se viver. Coisas como acampar na praia e assistir ao nascer do sol de dentro da água (de preferência surfando), assistir a um show da sua banda favorita com um grupo de amigos e ficar sem voz por 2 dias, definitivamente aprender algum instrumento musical que possa produzir música reconhecível (bateria não vale nesse quesito), fazer pelo menos uma viagem de bicicleta com 3-4 amigos escolhidos a dedo, plantar uma árvore e tirar fotos periodicamente ao lado dela pra ver o crescimento de ambos. Bom, tenho tempo pra escrever a minha lista.

A propósito, o sujeito vestido de Batman à direita na foto sou eu e o da esquerda era o meu "professor".

5 comentários:

  1. Oi Marlos.
    Achei lindo o que escreveste e lembrei do teu pai com carinho pois ele era assim mesmo. Sempre queria nos ensinar alguma coisa hahhah.Saudades...

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  2. Muito bom, lembro muito das histórias que o Tio contava sobre seus tempos de aviador e que muito me inspiraram para que eu seguisse este caminho. Saudades dele e de vocês. Abraços! Carlos Felipe

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  3. Marlos,sempre leio tudo que escreves(muito bem por sinal) e achei lindo o que escreveste sobre o teu Pai.

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  4. Oi Marlos!
    Fiquei com saudades do teu pai!!!! Gostava muito dele...
    Elisa

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  5. Ditado japonês:

    QUE MORRA O AVÔ,
    QUE MORRA O PAI,
    QUE MORRA O FILHO,
    QUE MORRA O NETO.

    []'s

    F.

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